Enquanto toma o café da manhã com
a esposa Anne, Georges percebe que o olhar vazio da companheira perde-se sobre
a mesa, ela para por alguns instantes, não o responde, parece perdida dentro de
si, e na mesma tênue situação de partir para dentro de si, ela retorna, e mesmo
sendo questionada pelo marido, de nada Anne se lembra. É essa a cena que inicia
uma nova fase na vida deste casal, a última e mais necessária história que os
dois iriam viver em anos de casados. Anne e Georges entregam-se ao último
capítulo de suas vidas, nesta história que o diretor austríaco Michael Heneke
nos oferece.
Toda a profundidade psicológica interpretada
no conjunto desta obra cinematográfica, dá-se por um complemento de acertos,
que unificam-se na experiência do diretor Michael Heneke, nas atuações consolidadas
e vívidas de Emmanuelle Riva (Anne) e Jean-Louis Trintignant (Georges) e na
fotografia claustrofóbica que nos permite provê as mesmas sensações dos personagens.
O apartamento aonde acontece boa parte da narrativa, é um local frio, cheio de
acessos, existindo portas para todos os lados, livros as centenas nos armários,
toda a história do casal está ali, e ali parece ser diluir, junto a saúde de
Anne que cada vez se despede do marido, perdendo suas forças motoras, como a
velhice permite, e bem definido pelo personagem de Jean-Louis, ao tentar
explicar a filha o que acontece a mãe: Ela está se tornando um neném, precisa
de mim todo o instante.
Amor é lento, Michael Heneke
percorre sem pressa o roteiro que ele mesmo escreveu, o silêncio absoluto com o
qual inicia e finaliza o longa é a prova concreta, que esta era a ideia do
diretor desde sua criação. Personificar seus personagens foi outra grande primícia,
a bela idosa Emmanuelle Riva, do clássico Hiroshima, meu amor, de 1959,
interpreta uma Anne fria e amável, que mantém se firme até o último momento ao
lado do também experiente Jean-Louis Trintignat, ator francês que participa de
A Fraternidade é vermelha de 1994, que se sobressai na beleza do sofrimento em
ver a esposa partir, chegando ao ponto de tomar uma decisão extrema que poderá
provocar calafrios, decisão que findará um sofrimento e poderá iniciar outro, o
de sua solidão.
Vencedor de vários prêmios
europeus, como a Palma de ouro e escolhido melhor filme pela premiação da
Associação de Críticos de Londres, também teve três indicações ao Oscar de
2013, concorrendo nas categorias de Melhor filme, Melhor filme Estrangeiro e
Melhor atriz para Riva. Michael Heneke, antes conhecido por uma filmografia
violenta e dura, não se permitiu contar uma história como a de Amor sem
entregar-se ao seu verdadeiro perfil de diretor, não é por que o seu filme
conte uma história tão sensorial que ele não se permitiria a violentar seus
espectadores, afinal, será difícil você não repensar em sua vida e o que faz
dela, quando terminar os créditos finais deste belíssimo e amargo filme.