Análise: Praia do Futuro de Karin Ainouz

05 maio 2014 Nenhum comentário

Medo. Desbravar o mar, suas águas salgadas, o sol escaldante, e lutar pela vida. O personagem Donato, interpretado com sotaque cearense e uma leve desconexão do mundo real por Wagner Moura, identifica no filme Praia do Futuro do talentoso diretor Karin Ainouz, mesmo do ótimo O Céu de Suely, uma qualidade humana que transborda a melhor de todas as ideias de vida, onde salvar os outros é melhor do que salvar a si mesmo, mas, e se o medo não fizer parte de sua vida, arriscar-se mundo afora pela busca da felicidade interna pode ser a solução. É nesse caso, que Donato destinado ao amor platônico nascido da tragédia aquática arrisca-se a viver. E vive sem medos.
Amplas tomadas de uma praia do futuro desértica, com alvenarias destruídas pelo tempo, e o pesado soar da salinidade que nos remete ao gosto salgado das águas, torna Praia do Futuro em seu primeiro, de três capítulos, a melhor introdução para uma história que não tem muito a contar, a não ser a verdadeira face e coragem de seus personagens. Se o protagonista passa o dia em frente ao mar, esperando o momento em que seja necessário arriscar-se pela vida dos outros, Konrado, interpretado por Clemens Schick, já é um aventureiro nato, que transcende o mundo sobre uma moto mostrando que o medo não lhe causa repulsa. E a consequência da não existência do medo do desconhecido, com o afogamento do amigo de trilha que acompanha Konrado em um banho na Praia do Futuro, aproxima os dois desconhecidos, iniciando uma das histórias de amor homossexual mais bem construídas do cinema contemporâneo.
Karim não se prende a mesmice, preconceito não acontece no longa, aqui tudo soa muito maduro, sério, verdadeiro. Wagner Moura e Clemens Schick combinam-se em cena como um casal decidido, que mesmo desconhecidos entre si, são amantes natos, não existe beijos românticos, não existe declarações de amores, existe companheirismo, existe vida, essa que nos sobrecarrega com pureza e ingratidão. Em um segundo capítulo, dedicado ao casal, Praia do Futuro mergulha em uma Berlim fria, que afasta Donato de seu verdadeiro mundo de águas salgadas, para uma penumbra fria que o aproxima de Konrado com um amor sempre subscrito nos olhares. 
O terceiro e o último capítulo, apresenta um terceiro integrante deste elenco, que deixado de lado pela narrativa para contar a história dos protagonistas, reaparece para causar o alvoroço, para desalinhar o contar da história, e banhar Donato das verdades da vida, que ele, imerso no sonho de vida com Konrado, esqueceu de viver, de presenciar. Jesuíta Barbosa, representa um garoto abandonado pelo irmão Donato, que da morte da mãe, aprende falar alemão, junta dinheiro, e sem medo, parte em busca de reencontrar aquele que fez suas tardes na Praia do Futuro os momentos mais felizes de sua infância. Ayrton é o personagem mais soberbo de Karim, sua audácia, sua revolta, seus medos inexistentes são tão expressos por Jesuíta, que somente ele garante os elogios de todo o filme. 
Praia do Futuro tem um roteiro manso, cenas criadas para causar no expectador a esperança de tempos melhores, mas sempre sombrios, como em uma cena em que o casal Konrado e Donato dançam freneticamente uma música sobre luzes vermelhas, sorriem como se a felicidade fosse aquele último momento, mas na verdade acordes lentos, tristes ecoam. Sob as palavras de uma personagem: O Futuro será alegre.
 
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