Beira-mar é uma poesia desenhada a quatro mãos, esculpida cuidadosamente pela
dupla Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, responsáveis pelo roteiro e pela
direção, em um intrínseco movimento
único, soberbo e soberano. Os dois, como se fossem um, expõem as almas de dois
jovens, amigos, que viajam até uma cidade litorânea para resolver uma pendência
familiar de um dos dois, e não é no caminho que as coisas acontecem, nunca foi
e não será, é no movimento parado, dentro de uma casa cheia de janelas e
vidraças, corredores silenciosos e luz branca, fria, que ficam expostos dois
mundos em construções, duas almas que buscam reconhecer-se.
Martin e Tomaz surgem pela primeira vez em cena
apenas como penumbra, sombras, as setas que indicam os caminhos a ser seguidos
esta bem acima das cabeças deles. Dali em diante, aos poucos vão se mostrando,
suas almas criam forma lentamente, Beira-mar inicia silencioso, sem
eco, vazio. Vidros molhados, imagens embaçadas, poucas palavras e uma estrada
longa pela frente. A frescor, a primeira oportunidade que temos de realmente
perceber a intensidade de vida existente nos personagens é quando finalmente
chegam na casa de destino. O mar, peça fundamental na história, é percebível
apenas pelo movimento das águas, o quebrar das ondas e o ruído dos ventos.
Martin e Tomaz irão ter um final de semana intimamente conturbado, e nós,
expectadores, presenteados com uma das histórias mais bonitas, contadas pelo
cinema brasileiro.
O roteiro é direto, sem barulho, sem clichês,
sem dramaticidade forçada, sem o desnecessário. Filipe e Marcio assumem o risco
de passear pela mente juvenil sem parecer caricato, eles conseguem sair do
comum. Do cotidiano. Daí a importância de tudo ter vida dentro desse filme, a
casa de vidro abraça os dois garotos, o mar assiste todos os movimentos, o
carro é o meio de transição da realidade quente de Porto Alegre para o frio
intimista de Capão da Canoa no Rio Grande do Sul, e o azul, cor abstrata e
lotada de leveza, ganha seu espaço, força, vigor, sua participação dentro da
história é motivada pela existência de encontrar o que está perdido. Tudo
incrivelmente delineado, construído, com almas de vidros e ruídos da alma, como
o barulho das águas controladas pelo ar, Beira-mar é mais do que ele mesmo
foi construído para ser, é imenso por dentro e por fora.